domingo, 17 de janeiro de 2010

Na praia - Luís Fernando Veríssimo

Na Praia....

'Verão também é sinônimo de pouca roupa e muito chifre, pouca cintura
e muita gordura, pouco trabalho e muita micose. Verão é picolé de
Kisuco no palito reciclado, é milho cozido na água da torneira, é coco
verde aberto pra comer a gosminha branca. Verão é prisão de ventre de
uma semana e pé inchado que não entra no tênis.

Mas o principal ponto do verão é..... a praia! Ah, como é bela a
praia.. Os cachorros fazem cocô e as crianças pegam pra fazer coleção.
Os casais jogam frescobol e acertam a bolinha na cabeça das véias. Os
jovens de jet ski atropelam os surfistas, que por sua vez, miram a
prancha pra abrir a cabeça dos banhistas. O melhor programa pra quem
vai à praia é chegar bem cedo, antes do sorveteiro, quando o sol ainda
está fraco e as famílias estão chegando.

Muito bonito ver aquelas pessoas carregando vinte cadeiras, três
geladeiras de isopor, cinco guarda-sóis, raquete, frango, farofa,
toalha, bola, balde, chapéu e prancha, acreditando que estão de
férias.

Em menos de cinqüenta minutos, todos já estão instalados, besuntados e
prontos pra enterrar a avó na areia. E as crianças? Ah, que gracinhas!
Os bebês chorando de desidratação, as crianças pequenas se socando por
uma conchinha do mar, os adolescentes ouvindo walkman (hoje em dia é
Ipod, MP3, MP4, MP5...) enquanto dormem. As mulheres também têm muita
diversão na praia, como buscar o filho afogado e caminhar vinte
quilômetros pra encontrar o outro pé do chinelo.

Já os homens ficam com as tarefas mais chatas, como perfurar o poço
pra fincar o cabo do guarda-sol. É mais fácil achar petróleo do que
conseguir fazer o guarda-sol ficar em pé.

Mas tudo isso não conta, diante da alegria, da felicidade, da
maravilha que é entrar no mar! Aquela água tão cristalina, que dá pra
ver os cardumes de latinha de cerveja no fundo. Aquela sensação de
boiar na salmoura como um pepino em conserva.

Depois de um belo banho de mar, com o rego cheio de sal e a periquita
cheia de areia, vem aquela vontade de fritar na chapa. A gente abre a
esteira velha, com o cheiro de velório de bode, bota o chapéu, os
óculos escuros e puxa um ronco bacaninha. Isso é paz, isso é amor, isso é o absurdo do calor!!!!!

Mas, claro, tudo tem seu lado bom. E à noite o sol vai embora. Todo
mundo volta pra casa tostado e vermelho como mortadela, toma banho e
deixa o sabonete cheio de areia pro próximo. O shampoo acaba e a gente
acaba lavando a cabeça com qualquer coisa, desde creme de barbear até
desinfetante de privada. As toalhas, com aquele cheirinho de mofo que
só a casa da praia oferece. Aí, uma bela macarronada pra entupir o
bucho e uma dormidinha na rede pra adquirir um bom torcicolo e ralar
as costas queimadas.

O dia termina com uma boa rodada de tranca e uma briga em família.

Todo mundo vai dormir bêbado e emburrado, babando na fronha e
torcendo, pra que na manhã seguinte, faça aquele sol e todo mundo
possa se encontrar no mesmo inferno tropical...'

Qualquer semelhança com a vida real, é uma mera coincidência.

Luís Fernando Veríssimo

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